Antisegregação Asilar

Movimento pela valorização afirmativa de que a organização pessoal da pessoa idosa faz parte de uma sistemática dinâmica mais ampla, encaixada no ambiente social global.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Da "Casa de Repouso" [parte 4]: A ILUSÃO DE LIBERDADE

Rose Pesotta (1896-1965) : militante anarcosindicalista e feminista

Na condição de asilada, a pessoa idosa é obrigada à recusar sua biografia, como uma espécie de suicídio seguro onde salva-se a vida ao preço de uma ruína mental. Obrigação por trocar suas próprias alternativas de busca de equilíbrio mental, pela proteção, dita eficaz, de um sistema de privilégios. Esse sacrifício é o modo de organização das "Casas de Repouso". Seu método é a ilusão de liberdade. A estrutura é a seguinte:
  1. Prescrições e proibições: a realidade da pessoa idosa passa a operar na dimensão do não-ser. Toda a sua biografia se revela impotente frente às "regras de conduta da casa". Sua percepção real, de tudo o que lhe é apresentada, é considerada inútil. Para a 'boa vida' dentro dessas instituições a pessoa idosa é cegada, de modo que, toda sua sabedoria de vida não voltará jamais, porque já não mais está aí. O que está agora presente é nada mais nada menos do que o acontecimento fatal do viver estritamente conforme as regras;
  2. Satisfações pela obediência: não-sendo mais sua biografia, é estimulado na pessoa idosa o interesse por regalias e afirmações incondicionais às regras de conduta da casa. Pseudo-satisfações para se reforçar a idéia de que a vida levada ali dentro é maravilhosa. Como um tráfico de influências para o esquecimento do mundo perdido pelos processos naturais do envelhecimento. A vida presente da pessoa idosa passa a ser ou uma esperança por satisfações futuras, ou uma contemplação de suas possibilidades;
  3. Castigos pela desobediência: ao desobedecer, o que pode ser um simples ato de recusa, à pessoa idosa é aplicada algum tipo de castigo, qualquer que seja o grau de severidade, cujo objetivo é a privação de si mesma. Tudo o que lhe era próprio no mundo exterior deve ser agora abandonado. Sofrimentos infringidos para restituir as satisfações pela obediência. Tais como a abominável aplicação de castigos ditos que é para o próprio bem da pessoa castigada. Ou, a horrenda pedagogia do adestramento aplicada em animais de circo. Tudo para instituir o quão é terrível o afastamento das regras de conduta da casa de repouso.
Pois bem, esse sistema de privilégios e castigos é o que chamamos de ilusão de liberdade. Os aspectos específicos dessa ilusão assim ocorrem: a vida só começa no segundo lance. Sua realidade é marcada pela definição feita por dirigentes e aliados à segregação asilar. É preciso estar asilada para que haja uma verdadeira qualidade de vida. É preciso que haja uma desatenção à vida para que esta tenha qualidade. Deste modo, a liberdade se conjuga apenas como presente da instituição. Um presente que é dado como ajuda à viver. Um presente que apaga a autobiografia construída no mundo externo em proveito da biografia fatalista das casas de repouso. Estas que nada são mais do que um projeto de colocar a pessoa idosa à distância dela mesma, associando-a a uma outra pessoa que possui a chave da significação do que é envelhecer: o mundo invertido da liberdade. Portanto ilusório, cujo fim é fazer coincidir, em um acontecimento único, a liberdade e a obediência incondicional. O que importa para a segregação asilar é a fragilidade de um corpo envelhecido, que pode não mais dar conta de si mesmo, usada para assegurar suas próprias razões de existir. Quaisquer que sejam estas razões das ditas casas de repouso, humilham o envelhecimento e reafirmar que, se a realidade me incomoda, de pronto desejo livrar-me dela criando manicômios, prisões e casas de repousos.

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