Antisegregação Asilar

Movimento pela valorização afirmativa de que a organização pessoal da pessoa idosa faz parte de uma sistemática dinâmica mais ampla, encaixada no ambiente social global.

domingo, 27 de setembro de 2009

Da "Casa de Repouso" [parte 3]: A INFANTILIZAÇÃO

Tal qual a sociedade egípcia dos antigos Faraós, temos duas grandes obsessões institucionalizadas: a eterna juventude e a imortalidade. Assim ambas as sociedades sofrem da mesma ilusão: dominar os processos do tempo. Domínio este monopolizado por específicas instituições controladas, ora por sacerdotes, ora por médicos. Mas há uma diferença fundamental- na verdade, uma inversão fundamental. No antigo Egito se mumificava - a pessoa devia, logicamente, estar morta. Na sociedade ocidental contemporânea, se infantiliza - a pessoa deve, também logicamente, estar viva. E, é curioso pensar que, ambas as palavras são, cotidianamente, utilizadas como termos pejorativos.

Deixemos um pouco de lado a mumificação do mortos egípcios e debrucemos sobre sua (in)versão moderna : a infantilização dos vivos. Em outros termos, pensemos como o desejo de imortalizada e eterna juventude se torna perverso para a dignidade da pessoa idosa.

Ao olharmos para nossos abismos, como uma esfinge eles sempre nos saúdam dizendo: "decifra-me ou devoro-te". Que abismo é este? Chamemos de maturidade. Esse doce mel provindo da experiência e do conhecimento. Apenas ao chegar na velhice é que notamos o tamanho prazer da sabedoria. O tanto que saber, o avaliar e o se recolocar frente à sensação de que a morte se aproxima, traz alegria ao espirito. Tornamo-nos pessoas mais espirituosas. Mesmo que haja uma tentação de sonhar como seria se essa bela sabedoria de vida pertencesse ao belo corpo que tínhamos aos 25 anos de idade. Tornamo-nos pessoas mais completas. A infância, a juventude e a idade adulta passam a ter um valor por si mesmas. Como obras de arte finalizadas. Porém sendo muito mais do que algo a ser lembrado ou mesmo contemplado em terceira pessoa. Todas essas fases compondo um belo, singular e mesmo continuun vital. Essa sabedoria magna é a maturidade. Somente encontrada em uma encosta da vida: a velhice.

Esse fulgor pode muito bem ser apagado. O mais perverso é saber que há instituições especializadas nessa apagamento. Tal ato é um atentado contra a competência e os símbolos da maturidade - a autonomia e a liberdade de ação. A fase adulta sofre um horrendo "rejuvenescimento" : a gradação de idade. As práticas de obrigações específicas a serem realizadas por pessoas idosas, em uma "casa de repouso", atestam tal condição, infantilizando - o processo de obrigatoriamente renunciar a própria vontade. Expressões do tipo, "vestiu a mesma roupa, de novo!", "você já tomou banho?" ou "ainda não está na hora de comer!", podem muito bem anteceder a ação enérgica de "alguém responsável" pela instituição. A higiene, a responsabilidade por si e a escolha pelo seu bem-estar próprio, são controlados, diariamente, com a justificativa de que, há uma incapacidade da pessoa idosa em relação aos seus interesses e desejos.

Voltar à infância é um ato cindido em dois: o aspecto teórico (aquilo que se vê) e o aspecto prático (aquilo que se faz). O aspecto teórico pode até provocar um certo alívio psicológico para alguns - muito já se romantizou sobre ser criança. Porém, a infância não voltará jamais, porque já esteve aí. No aspecto prático, não há como voltar à infância, se não pela perversa infantilização. A invenção desse processo invertido de mumificação é o próprio fardo gerado pelo desgosto com seu ser e, pelo excesso de culpa do eu. Intranquilidade própria da agitação moderna. Não há tempo para que amadureçamos nossos frutos. Na falta de tranquilidade para lidarmos com o envelhecimento, nossa sociedade inventa, às pressas, um conceito de validade geral: o de que a virtude da pessoa idosa é o descanso.

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Foto: Marie-Christine Mikhaïlo (1916-2004)
Bibliotecária, arquivista e documentarista anarquista

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